O Ponto de Ônibus

“O amor é um sentimento improvável, que desperta não sei de onde e nem sei porquê”

No ponto de ônibus.

Um rapaz se aproxima.


- Oi. Licença. O Bosque da Paz já passou?

A moça parada próxima ao meio-fio responde.


- Já.


- Que pena.– Lamenta desolado tirando o boné e passando a mão nos negros cabelos cacheados. O suor descendo pelo canto do rosto. Era um daqueles dias quentes.

- Não demora passa outro.

- Viu se o Campo das Flores passou também?
- Questiona o rapaz.

- Não ainda não. Estou esperando ele também. Pode ficar tranqüilo, está quase no horário dele.


- Menos mal.


Ele se aproxima.Tenta afugentar o calor com o boné.

- Tá calor né?

- Demais ...

Ele pára e observa a menina magrinha, de calça jeans, camiseta branca, all star desbotado, cabelos castanhos presos num rabo de cavalo. Fixa o olhar nos livros em suas mãos.


- André Vianco?


Ela o encara sem entender. Recorda-se das obras que carrega.


- Sim, sim. – Consente.

- Gosta?

- Comecei a ler há poucos dias. Bom ... é até bacana.


- Gostou ou não?

- Estou acostumada à literatura estrangeira. Confesso que preciso ler mais autores nacionais.

- Ele é o cara! Me amarro nos livros dele. Você vai gostar. Vai ver ainda não pegou o fio da história.

- Vai ver é isso. – Concordou.


- Mas porque Vianco se não gosta dos escritores brasileiros?

- Não disse isso.


- Você acabou de afirmar, linda.


- Não foi bem assim, mas tudo bem. Não vamos discutir.

- Sim.


- Decidi fazer um contraponto a Stephanie Meyer. Já ouviu falar?


- Já sim,mas não me empolguei para ler.


- Por quê?

- Vampiros gostam de atacar humanos e não de correr atrás de gazelas e leões da montanha.


- Então já leu alguma coisa?


- Um resumo confesso.


Ela sorri.

- Mas só isso. Entre o Cullen e o Samuel, prefiro o Samuel do ‘Senhor da Chuva’.

Ela observa a rua.

Mais pessoas agora se aglomeram no ponto de ônibus.


- Gosta de The Clash?

- Nunca ouvi. - Responde a moça.


- U2?

- Adoro U2! – Diz extasiada. - E você? Gosta?


- Mais ou menos. Você tem cara de quem gosta do Bono mesmo.

- Porque?


- Esquece.
- Pede ele.

Sorriem.


- Gosta de alguma banda nacional?


- Não sou muito fã. Acho que os caras brasileiros precisam evoluir um pouco mais. Nada contra, mas nesse ponto fico com os estrangeiros. É que nem você e seus livros. O ônibus para.

Os passageiros sobem.

Eles são os últimos.

Sentam-se em um banco no meio do veículo.


- Gosta de filmes? – Pergunta ela.

- Depende da história.


- Hum...

- Você gosta de anime? Mangá?

- Tenho um amigo que gosta. Já vi alguns na casa dele. Têm alguns interessantes, mas não guardei nenhum de cabeça.


- Voltemos a falar de livros então?

- Certo.

- Me deixa pensar num livro ...

Ela interrompe.

- Você já leu Criança 44?

- Ainda não. De quem é?

- Não me lembro o nome do autor, é um russo. Digita o nome no Google que aparece.


- Tá bom.


- É um suspense. Acho que você vai gostar. Espiões, guerra fria, assassinatos na linha do trem.

- Ta aí. Vou procurar.


Os dois observam a paisagem que passa pela janela do ônibus.
Silêncio.

- Pedro.

- Bianca.

Sem formalidades.

- Você é legal.

Ela sorri tímida.


- Você também.


- Tenho que ir.


- Até outra hora então.


- A gente se vê?


- Se esbarra por aí ... quem sabe na parada ... quem sabe no ônibus...


- Isso soa filosófico.

Ele se aproxima para dar um beijo no rosto dela. Uma despedida. Num gesto impreciso os lábios se tocam. Um breve toque, um selinho.

- Tchau.


- Tchau.


Ele levanta e vai embora. Desce. Caminha sem olhar pra trás louco de vontade de fazer o contrário, de dar um tchauzinho, de sorrir mais uma vez pra ela. Mas acha melhor não. Teme parecer exibido.

O ônibus segue viagem. Ela abre de volta o livro. Volta à leitura. Olha pela janela e vê a silhueta de um rapaz de boné sumir entre os postes e estabelecimentos comerciais.


A vida segue ...



... Se encontrariam no dia seguinte, na semana, no mês, no ano até o dia em que ficariam juntos para sempre.

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