A corrida

Conheceram-se numa dessas corridas da vida, num parque da cidade. Final de tarde.

Ela odiava qualquer tipo de exercício físico. Achava perca de tempo. Ela que não iria perder o seu. Era precioso. Mas um dia vieram os comentários ... ‘Você está gorda!’, ‘Você está grávida?’. Um rasgo na sua auto-estima.


Ele era a saúde em pessoa. Corpo atlético, boa aparência. Um desses caras que quando passa na rua, desperta suspiros. Simpático, mas tímido demais. Trabalhador. Seu hobby: correr.


O primeiro dia dela foi uma tortura. Tropeçou num ladrilho e por pouco não foi de cara no chão. Ouviu algumas risadinhas pelas costas e preferiu não olhar. Estava sensível demais. Tudo aquilo para ela estava sendo um drama, daqueles bem melindrosos. Aliás, essa era uma característica dela, era dramática demais. Devia ter feito teatro, televisão, cinema, teria dado uma ótima atriz, no entanto preferiu os livros. Adorava escrever. Isso estava explícito no rosto dela. Tinha jeito.


Ele trabalhava o dia todo com o pai, um daqueles sujeitos que só pensavam em cifras. Quanto mais altas melhores. Tentava não se estressar. Vivia sobre a máxima de que deveria ser o exemplo da família. O cara responsável, trabalhador, o herdeiro do império. No fundo não ligava para nada disso. Queria só viver a vida, ter alguém que lhe desse um abraço e um beijo depois de um dia cansativo. Não tinha muita desenvoltura com as mulheres. Esse era seu defeito. Os amigos bem que tentaram ajudar... As que lhe apareceram foram supérfluas demais, lhe proporcionaram algumas horas de prazer, nada, além disso. Cansou. Só a satisfação do que estava entre as pernas era pequena demais. Queria mais.


Por falar em homens ... ela tinha uma sorte ‘daquelas’. Um ‘dedo podre’, como lhe disse uma amiga. Tinha uma coleção de desilusões. Quando viu que não iria encontrar um príncipe encantado, começou a sair com os sapos. Também cansou. Preferiu ficar no seu quadrado.


Vai entender os desígnios do acaso...


Ele parou para amarrar o cadarço do sapato. Era meio que perfeccionista, se bem que isso era mais uma questão de cautela; cadarço desamarrado = queda. Ela falava no celular com uma amiga. Corria um tanto desajeitada olhando para os lados procurando a colega que teimava em dizer que estava por ali. Não a encontrou. Na distração não viu o rapaz abaixado na sua frente. Foi de encontro. Só não se esborrachou na calçada porque ele foi ágil e conseguiu a segurar. A queda teria sido feia. Sentada no chão ela quis se enterrar quando viu aquele ‘Deus’ na sua frente. Seria ele um anjo? Estaria ela no céu? Lembrou que não tinha batido a cabeça. Ele era real.


Sorriu desconcertada. Agradeceu. Arrumou a blusa. Foi saindo de fininho. Enrolou-se nas pernas. Caiu. Desta vez foi de encontro à calçada. Beijou o ladrilho.


Algumas mulheres sabem simplesmente como acabar com um primeiro encontro.

Comentários

  1. Anônimo21.8.09

    Dannie, ótimo texto. Muito engraçado, adorei ! Ah, a foto acima [do blog] arrasou... Palavras sobre uma imagem dessas são desnecessárias.

    Rejane.

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